segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012





A FÁBULA DOS PORCOS ASSADOS




Após um incêndio num bosque onde havia porcos, os homens, acostumados a comer carne crua, 

experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. Desde então, sempre que desejavam comer 

porco assado, incendiavam um bosque! Houve problemas, que foram sendo resolvidos com 

aperfeiçoamentos, criando-se um grande SISTEMA. Mas as coisas não iam lá muito bem: às 

vezes os animais ficavam queimados demais, em outras muito crus. O processo preocupava a 

todos, porque se o SISTEMA falhava, as perdas eram grandes - milhões se alimentavam de carne 

assada e milhões se ocupavam da tarefa de assá-los. Portanto o SISTEMA não podia falhar. Mas 

quanto mais crescia a escala do processo, tanto mais parecia falhar e tanto maiores eram as 

perdas causadas. Em razão das inúmeras deficiências, aumentavam as queixas. Era clamor geral a 

necessidade de reformar profundamente o SISTEMA. Congressos passaram a ser realizados 

anualmente para encontrar uma solução. Mas não acertavam na melhoria do SISTEMA. As causas 

do fracasso do SISTEMA, segundo especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que 

não ficavam onde deveriam, ou à natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou ainda às árvores, 

excessivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao serviço de informações meteorológicas, 

que não acertava no lugar, no momento e na quantidade das chuvas... Como se vê as causas 

eram difíceis de determinar; na verdade, o sistema para assar porcos era complexo. Montou-se 

uma grande estrutura: maquinaria diversificada, indivíduos dedicados exclusivamente a acender o 

fogo - incendiários - que eram também especializados: incendiários da Zona Norte, da Zona 

Oeste, etc., noturnos e diurnos, com especialização em matutino e vespertino, de verão, de 

inverno, etc. Havia especialistas também em ventos - os anemotécnicos. Havia um Diretor Geral 

de Assamento e Alimentação Assada (DGAAA), um Diretor de Técnicas Ígneas (DTI, com o seu 

Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Reflorestamento (AGR), uma Comissão 

Nacional de Formação Profissional em Porcologia (CNFPP), um Instituto Superior de Cultura e 

Técnicas Alimentícias (ISCUTA) e o Bureau Orientador da Reforma Ígneo-Operativa (BORI). 

Encontrava-se em plena atividade a formação de bosques e selvas, de acordo com as mais 

recentes técnicas de implantação, utilizando-se regiões de baixa umidade e onde os ventos não 

soprariam mais do que três horas seguidas. Milhões de pessoas trabalhavam na preparação dos 

bosques, que depois seriam incendiados. Especialistas estrangeiros estudavam a importação das 

melhores árvores e sementes, fogo mais potente, etc. Havia grandes instalações para manter os 

porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno. 

Formaram-se professores especializados na construção destas instalações. Pesquisadores 

trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construção 

das instalações; fundações apoiavam os pesquisadores que trabalhavam para as universidades 

que preparavam os professores especializados na construção das instalações, etc. As soluções 

que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar o fogo de forma triangular, depois de 

atingida determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15 minutos antes que a temperatura 

média da floresta atingisse 47 graus, posicionar ventiladores gigantes em direção oposta à do 

vento, de forma a direcionar o fogo, etc. Poucos especialistas estavam de acordo entre si; cada 

um baseava as suas idéias em dados e pesquisas específicos. Um dia, um incendiário categoria 

AB/SODM-VCH (Acendedor de Bosques especializado em Sudoeste Diurno, Matutino, com 

bacharelato em Verão Chuvoso), chamado João Bom-Senso, pensou e disse que o problema era 

muito fácil de ser resolvido - bastava matar o porco escolhido, limpar e cortar adequadamente o 

animal, colocando-o então sobre uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor - 

e não as chamas - assasse a carne. Informado sobre as idéias do funcionário, o DGAAA mandou 

chamá-lo ao seu gabinete e depois de ouvi-lo pacientemente, disse: – Tudo o que o senhor disse 

está muito bem, mas, na prática, não funciona. O que faria o senhor, por exemplo, com os 

anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento 

dos acendedores de diversas especialidades? – Não sei – disse João. – E os especialistas em 

sementes? Em árvores importadas? E os projetistas de instalações para porcos, com as suas 

novas máquinas purificadoras automáticas de ar? – Não sei. – E os anemotécnicos que levaram 

anos especializando-se no estrangeiro, e cuja formação custou tanto dinheiro ao país? Vou 

mandá-los limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado 

no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que lhes faço, se a sua solução resolver tudo? Hein? 

– Não sei – repetiu João, encabulado. – O senhor percebe agora que a sua idéia não vem ao 

encontro daquilo de que necessitamos? Não vê que, se tudo fosse tão simples, os nossos 

especialistas já teriam encontrado a solução muito tempo atrás? Com certeza compreende que eu 

não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar 

brasinhas ... sem chamas! O que espera que eu faça aos quilômetros e quilômetros de bosques já 

preparados, cujas árvores são tão especializadas que não dão frutos nem têm folhas para dar 

sombra? Vamos, diga-me. – Não sei não, senhor. – Diga-me, em relação aos nossos três 

engenheiros em Suino-Piro-Tecnia, o senhor não considera que sejam personalidades científicas 

do mais extraordinário valor? – Sim, parece que sim. – Pois então?! O simples fato de possuirmos 

valiosos engenheiros em Suino-Piro-Tecnia indica que o nosso sistema é muito bom. O que faria 

eu com indivíduos tão importantes para o país? – Não sei. – Percebeu? O senhor tem é que trazer 

soluções para certos problemas específicos – por exemplo: como melhorar as anemotécnicas 

atualmente utilizadas, como obter mais rapidamente acendedores de Oeste (a nossa maior 

carência), como construir instalações para porcos com mais de sete andares. Temos que 

melhorar o SISTEMA, e não transformá-lo radicalmente, entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez! 

– Realmente … eu estou perplexo! – respondeu o João. – Bem, agora que o senhor conhece as 

dimensões do problema, não ande por aí dizendo que pode resolver tudo. O problema é bem mais 

sério e complexo do que imagina. Agora, aqui entre nós: devo recomendar-lhe que não insista 

nessa sua idéia. Isso poderia trazer-lhe graves problemas a si e ao seu cargo. Não por mim … o 

senhor entende. Eu digo isto para o seu próprio bem, porque eu o compreendo, entendo 

perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor bem sabe que pode apanhar outro superior 

menos compreensivo, não é assim? João Bom-Senso, coitado, não disse nem mais um "a", sobre o 

assunto. Sem se despedir, meio atordoado, meio assustado, com a sensação de estar 

caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e nunca mais ninguém o viu.